sábado, 22 de outubro de 2011

Águas

Quando a esperança de navegar para longe se via já atolada quanto baste no deserto das horas, eis que uma daquelas tempestades dilúvicas me deixa agarrado sem fôlego ao mastro da embarcação. Toldado pela velocidade das marés, vi a vida à minha frente, por ter deixado de a ver.

Ilusão de óptica em alto mar, será?

Nada me faltava. A corda para limpar o rabo estava lá, a comida enlatada e seca que alimentava o corpo era escassa, mas suficiente - já a alma apresentava-se farta e nutrida por aqueles ventos amenos que deixavam os cabelos de todo o corpo em pé.

Agradeci a ambas as forças da natureza (o ar e a água, leia-se, não o amor e a ilusão) pela refeição soberba, pelo olhar agora vivo e fulgurante, atarefado com a vida em alto mar, onde podia olhar para tudo e não ver, cego, mais do que o horizonte indefinido. Como é bom viver sem perspectivas seguras de futuro, sem precisar sequer delas.

Cedo demais o fiz. Os ventos não mudaram - permaneceram indecisos, vagueantes, desnorteados. Mudou a minha necessidade de mar, de descoberta. No meio das águas voláteis, cada passo calculado é ainda assim um passo em falso. As saudades da terra apareceram. As saudades do refúgio fácil quando o vento me sopra palavras que não quero ouvir, as saudades da liberdade de poder perder-me e, ao voltar a erguer o olhar, saber que os arranha-céus me irão guiar para o meu lar de sempre.