quinta-feira, 28 de julho de 2011

Ruas

Os olhos não deixavam margem para dúvidas; os passos perdidos na melancolia também não. Richard não escolhia o caminho que percorria cegamente - as suas pernas é que, de alguma forma, eram conduzidas pela força do alcatrão rodoviário degradado.

Era de noite, típico cliché para histórias dramáticas de indivíduos afogados numa pequena bacia de problemas (não necessariamente um mar deles). Não, isto era sério, tão sério que nem a dor latejante nos pés era capaz de chamar a sua atenção para a distância que já percorrera.

As várias picadas que levara não eram capazes de o matar na hora, mas aos poucos o veneno começou a apoderar-se da vida - não do corpo. Menos uma pessoa, mais uma pessoa nas nossas vidas. Que diferença assim tão grande poderia fazer, afinal?

Virou para uma pequena ruela, à direita, em tudo similar à que se afigurava no lado oposto. Perguntou-se porquê aquela, aleatoriamente, e as rodas dentadas do raciocínio encaixaram na perfeição e começaram a rodar: também com as pessoas é o acaso que decide e a ilusão que nos mantém na rua escolhida. A ilusão é o apagar dos candeeiros da cidade, que torna todas as ruas turvas e escuras.

Podemos escolher a cor, a quantidade, o modo de administração e até a legalidade, mas no fim de contas, qualquer relação é uma droga - deixando-nos agarrados às veias do amor e do hábito, assim que o fornecimento acaba. Leva-nos ao fim, não necessariamente da nossa presença móvel na terra mas do nosso fim enquanto "eu" e "tu".

Se assim é, porque não escolhemos criteriosamente as pessoas que tanto nos moldam como se de plasticina fôssemos feitos?

Embargado pela conclusão, Richard virou à direita após a grande avenida da cidade. Sem razão aparente.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Palavras.

As palavras mentem. Com as palavras que escrevo, não posso senão fazer uma fotocópia, no preto e branco distante do passado, de dores que floresceram no meu peito ou de prantos que nunca chegaram a o ser.

As palavras são como folhas mortas no chão - perdem a vida mal caiem da árvore do agora aos pés das raízes gastas e calejadas da rotina. Caiem na valeta do esquecimento ou boiam dispersas no charco inquinado do afastamento e da azáfama da solidão.

As palavras nunca poderão matar como um punhal em cascata de sangue num peito humano, mas o seu efeito é mais prolongado. São como pequenas picadas, dia após dia, desferidas precisamente no mesmo buraco que se vai escavando na alma. É a tua arma preferida, qual serial killer em que a vítima não chora sangue mas esvai-se em lágrimas. As palavras não mentem. Apenas apaziguam o teu ódio, o teu desnorte.