quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Viagem

O teu único objectivo é atravessar essa barreira que divide o presente do futuro, as mágoas da esperança. Pensas que te será concedida uma nova luz, um tapete vermelho para tudo o que desejas - como que por milagre.

Não preciso de uma deixa tão forçada para pensar no ió-ió no qual se tornaram os meus passos, ao longo de todo este tempo. Sei que devia ter ido, devia ter feito...devia ter sido alguém mais perfeito.

Dizem-me para ficar, mas não consigo. É tarde. E vou, vou, vou, vou...até onde ninguém me consiga desiludir, até que ninguém me possa soprar mais dúvidas ao ouvido.

Aqui posso sentir as gotas dos céus a lavarem-me o rosto e o corpo - o espírito e a alma. Porém, ninguém quer encontrar esta ilha do tesouro. Fica demasiado longe e é confusa como um labirinto escuro e ambíguo - dizem eles, amarrados à sua cegueira.

Sorrio, divertido, quando julgam compreender a insatisfação eterna que em mim mora -mas como eu gostava que alguém ousasse acompanhar-me nesta cruzada.

De que vale tê-lo se não o consigo encontrar? De que vale senti-lo uma vez se não o consigo guardar?

Porquê existir se tudo o que faço é vazio? Porquê procurar de fio a pavio?

Não conheço as respostas. Ninguém conhece a cura para esta doença que não me deixa encontrar a dor.

É por isso que não quero voltar, é por isso que nunca me vou encontrar.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Inside the skeleton

Ele podia ter escolhido outro dia para enterrar o mundo. Ainda podia girar tantas vezes, apesar das suas faces queimadas que se sabiam um novelo de hipocrisia...

E agora, para onde olhar? E agora, para onde voar?

Raios! Passou demasiado tempo embebido numa atmosfera de raiva supersónica, raiva essa que rapidamente atingiu multidões.

Algo o impediu de ouvir as vozes que gritavam por um pouco mais de calma - pelo espaço etéreo no qual nunca repousara aquilo que aflorava a sua pele pálida.

O seu cérebro parou e a sua boca apenas pôde proferir um misto de pânico e de choque, envoltos pelo ambíguo das palavras.

Agora é dono do vazio, do preto do ar, da histeria do silêncio.

É só uma sombra da alma, um pedaço de confusão latejante no meu caminho.

domingo, 27 de dezembro de 2009

Nunca

Nunca perdeste a cabeça.

Nunca te esqueceste de amanhã e arriscaste no agora.

Nunca gritaste aquilo que o teu corpo já não consegue suportar.

Nunca destruíste os muros que te barram a luz.

Nunca ouviste os sussurros vindos do mundo dos sentidos.

Nunca foste magoado pelas garras da ilusão, que rasgam a razão e fazem bater violentamente o teu peito.

Nunca soltaste o teu verdadeiro eu, ansioso por conhecer o calor e o frio - a sombra e o brilho.

Nunca me viste, do outro lado do vidro. Nunca me viste enquanto estavas inconsciente, perdido nesse mundo sem sentido.

Nunca vais seguir a estrada. Nunca vais deixar de optar por becos sem saída. Nunca vais escolher viver.

sábado, 26 de dezembro de 2009

Vago?

Só tu foste convidado para essa festa.

Nela ninguém te vai roubar o papel principal. As únicas lágrimas que se ouvem são as tuas, perdidas no fundo de um buraco que se avizinha cada vez mais escuro.

Não há luzes alegres e irreverentes. Basta o ar - para que o sopro da alma arrepie, gélido, o vazio incerto de almas à procura da sua casa.

Não sabes para onde ir porque não sabes onde estás. Não sabes o que procuras porque não sabes o que tens.

Mas não deixes que te encontrem! Querem levar aquilo de que és feito - as perguntas sem resposta, as tuas viagens sem destino nem percurso.

Não permitas que te escondam daquilo que és ou que te tornem no cinzento das cinzas - cinzas dos sonhos que se perderam contigo.

What's so wrong?

Hmm, sim. Havia algum tempo que nada me parecia tão apetecível - tão certo.

Talvez seja o esguio traço do rosto. Talvez seja o sorriso genuíno. O olhar imenso, transparente como um vidro.

Hmm, como eu gostava de me sentar encostado a ti, apenas. Ou até de fazer ondas com os teus fios de cabelo. Como eu gostava que esse teu mundo ainda não estivesse completamente saciado...

As minhas defesas são inúteis. Puxas-me como o vento num dia de tempestade, sem sequer entenderes aquilo que guardo envolto nesta capa arrebatadora.

Porque é tão difícil? Bastava apenas desapareceres num sopro, na esperança de encontrares um abrigo seguro.

És demasiado frágil mas, ao mesmo tempo, conseguiste fechar-me dentro dos meus sentidos. Algo me prende, algo mais forte do que o medo que sinto.

E se a tua pele me aprisionar? E se os teus olhos me cegarem, quando finalmente chegar o dia? E se os teus lábios me queimarem?

Não consigo resistir por muito mais tempo. As horas perderam o sentido, desde que as teias se começaram a apoderar deste livro fechado...

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Agulhas doentias

Suspiro, lenta e aborrecidamente. Contemplo os socalcos de um monte anafado, com algumas miniaturas e árvores espalhadas ao longo da sua encosta.

Os meus pés gelam e os meus olhos aproximam-se perigosamente de um estado de precipitação lacrimosa.

Desejava tanto estar ali como no inferno, com todos os ossos a quebrarem lentamente no leito odiável das chamas – quem raio achou que podia julgar os erros dos outros e enviá-los para tal lugar?

Aquele lugar cheirava a velhice, levada ao extremo pelo mofo intenso espalhado pelas divisões.

O arranjo floral que a mesa ostentava era humilde, decerto o oposto do mestre que o criara. Mestre esse pouco ortodoxo e implacável, capaz de fazer sangrar qualquer um com as suas agulhas proferidas uma vez e outra, sempre implacáveis.

Nunca há-de partir, diz ele do alto da sua sapiência e presunção. Como é possível ser tão inculto, tão intocável pelo mundo brilhante que viva à sua volta?

Talvez a culpa seja do mofo e bolor. Acho que ele já morreu há muito, apenas aguarda pacientemente que o corpo ceda aos intentos da sua alma pisada.

Suspiro de novo. Prefiro o inferno - ainda assim, é quente.

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Sufocado pelas regras

Pedi-te algo tão simples como respirar, algo que sabia de antemão que irias recusar.

Olhas-me com um ar incrédulo, irónico, como se desejasses desatar a rir de algum profundo disparate escondido nas minhas palavras.

Não vai voltar a acontecer, não deixarei que a tua decadência limitada se volte a pousar em mim, travando as minhas fugas do mundano.

Sabes que preciso de correr, de acalmar a minha alma volátil, cujos impulsos me guiam como ninguém conseguirá algum dia fazer, latejantes.

Sabes que preciso de chegar ao fim do mundo, preciso de me ferir pelo caminho, voar nas asas da adrenalina que atravessa o próximo perigo do caminho.

Um dia irei regressar dessa travessia alucinante com cicatrizes, cicatrizes que tu não queres que eu sofra.

Mas não tenhas medo, fá-lo por mim. Não tenhas medo, não irás perder o teu trono.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Well I wonder...

Não sei porque voltei a olhar para a tua fotografia de cores vivas e alegres, quando já a julgava moribunda e cinzenta.

Abri a janela, presa e enferrujada. Aproveitaste e entraste de novo no meu espaço, sem pedires sequer para entrar.

Baralhaste-o, fizeste com que se tornasse numa amálgama de memórias, de desejos, de dilemas, de arrependimentos.

Porque voltei a centrar-me em ti, quando és aquilo de que menos preciso?

Raios! Também não quero esse antídoto que a razão me deu; prefiro viver contaminado pelo teu veneno doce - esse que faz com que os segundos corram, fatais; esse que faz com que fique vulnerável, fraco, genuíno.

Espero que o torpor se apodere do teu corpo quando voltares a olhar para os meus lábios, delicados, que mal conseguem esconder as suas intenções.

Espero que não te tenhas esquecido de mim.

sábado, 12 de dezembro de 2009

A cápsula perfeita

Deixas-me doente.

Porque tens de me fazer crer que não sou capaz? Porquê? Porque fazes com que o calor se dissipe, para nunca mais voltar?

Era tão fácil deixares-me viver. Era tão fácil deixares-me morrer.

Agora tens-me aqui, imóvel, petrificado pelo teu olhar gélido. Fixa-lo em mim, como se não te apercebesses do seu efeito.

Afinal não me deixaste doente. Mas eu queria ficar doente. Queria pisar a linha, rasgar o risco.

Desaparece. Para nunca mais esconderes tudo o que me faz sentir vivo.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Sonhos

Quando o olhar se cerra
Quando a pele se liberta
Bem alto, a alma berra
De sonhos vazia e deserta

Cercado por várias cruzes
Num vazio distante
Deixo para trás as luzes
E o meu corpo errante

Viajo no infinito do tempo
Longe das lágrimas salgadas
Não há dor, não neste momento
Apenas um conto de fadas

Não importa onde estou
Nem sei para onde vou
Fui feito para voar,
Para o vento me levar

Dois passos para o acordar
Tudo desaparece como o fumo
Branco e baço, que paira no ar
Também ele à procura de rumo

Ainda bem que tudo acabou
Tal como as saudades que senti
Mas sou tudo aquilo que restou
Depois de ser quebrado por ti

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Quando irás voltar?

Agora sei como te sentes.

O nevoeiro esconde-te as portas da alma, como se de um turbante se tratasse.

Começas a andar cada vez mais devagar, para não tropeçares nos ramos que escolheste para infernizar o teu trilho.

Desapareces da sala e surges num pântano maquiavélico, escuro, sem respostas. Nele o sol recusa-se a brilhar; dele ninguém te vai conseguir tirar.

A tua cabeça gira, confusa, martirizada pelas vozes estridentes que não se deixam reconhecer. Cada uma com uma cantiga diferente, que não consegues interpretar.

Oh, nem sempre foste assim.

Porque deixaste que rasgassem o teu mapa?

Porque te fechaste às vozes doces que murmuravam a tua salvação?

Porque deixaste que os teus sonhos fossem amarrados por teias velhas e pegajosas, que nunca hão-de libertar-se?