quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

More than this...

Because I’m always the man who finds problems where they don’t exist.

Because I’m afraid of the beach because of the sand, afraid of the fire because of the heat, scared of you because of the love. Because the blood that runs fast through my veins is always impure, my thoughts always cold yet not clear as water.

I don’t know what is stronger: my need to dive into the ocean of perdition and loneliness or my will to rest my hand over your warm skin, door to the soul. I don’t know whether it is my fault, yours or the devil’s. I don’t know if it could be better, if more than this is there something.

May life forgive my cyclic waste of time. I just don’t know (but something answered):


terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Náusea

Farto dos telefones, das internetes voláteis e das cartas instantâneas, efémeras e confusas.

A única rede em que confio é a dos meus dedos nos teus, a única comunicação que aceito é a da tua íris em frente à minha, como que num duelo de palavras. Palavras ou emoções
Tudo o que sei é que isto me provoca náusea. Náusea de não te ter, náusea de não poder puxar as rédeas que te dominam como cavalo amansado, náusea por saber que não o devo fazer. Náusea não do estômago, mas por não saber digerir o teu reino para além dos nossos portões. Náusea, pelo hábito de ser contadino pobre, sem terras nem posses que não o seu coração esfiapado e cobertores de inverno.

Se as rédeas não estivessem lá, nunca as teria de puxar. Se não tivesse vez alguma visto os portões, nunca teria imaginado um reino para lá da aldeia de pobres cabanas que partilho com outras almas unas. Não teria medo dos banquetes de luxúria que lá se passam, das fofoquices que reinam na côrte real. A náusea não cobriria a minha alma nema minha boca, que para cima de ti vomita a arrogância banhada em insegurança, as balas que escondem os buracos, as flechas saídas de onde em mim abriram feridas.

O fluxo é tal que nem estas palavras fazem sentido. Nem o conforto de uma lareira acesa e de um chá de frutos vermelhos quente acalma este cavaleiro e o impede de se imiscuir num mundo tão difícil e quase medieval, em que mais do que as saudades, surge o medo, o deixar fugir da presa, não mais sob mira óptica.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Unsettlement

No, no, I don't feel safe.

I feel like a cold drop of rain swallowed by the autumn morbid light, caressing windows' glasses with no concrete direction.

I feel like ending in a gutter, still waiting for some divine direction, some wind to push me out of this despair.

I could take it before: it was called aventure. Not knowing where to go, not having any conscious outlined road, what a dream. Now, I just wanted the road to be straightforward, with silky pavement and smooth corners.

What you give me are nothing but potholes and worn-out tar, no smoothness but punctures in the soul.

You'd better reassure my senses and keep my heart calm and warm, make it trust the light you once gave it again. You'd better turn out to be a better ride. I'd had enough unsettlement.

domingo, 4 de dezembro de 2011

Folhas

Fria, a rua camuflada por folhas laranja e amarelo outonal. Frio, o meu coração exangue sempre que mais folhas brotam naturalmente dos ramos, seguindo o seu rumo natural.

Porque não as deixar brotar? Porquê travar as chuvas pontuais, a incontinência propositada das nuvens?

Neste mundo de círculos viçosos e viciosos, para quê a ilusão do controlo do que tem vida própria? Porquê o desconforto de besta egocêntrica que quer as marés a seu gosto?

Acalma-me o abraço da brisa, quando me acaricia suavemente, antes de voltar a roncar com todo o furor. Deixa-me só e susceptível a indiferença e a distância do ronco perante os meus desejos.

No entanto, não é por eu saber que as folhas caem naturalmente que fico contente quando as vejo mergulhar num mecanismo de morte colectiva.

Um dia farei o mesmo. Um dia caio como todas as outras folhas, sem que isso apazigue a culpa.

sábado, 26 de novembro de 2011

Guerra

Fiz o que o meu servo me pediu.

Em movimentos de descontida agitação estraçalhei o escudo baço que me era alheio, agarrei nas suas odiosas entranhas e tentei rasgá-las como t-shirt dos chineses, de fibra frágil e contrabandeada.

Com farpas de borbulhante raiva lhe atirei, afiadas e certeiras no seu sangue negro e pulsante.

Como guerreiro cansado, arfei para fora do campo de batalha, feliz por ter cumprido a minha obrigação militar, social e familiar.

Ouvi dizer, no entanto, que hoje em dia já não se usam farpas de genuína raiva; antes granadas de cinismo calculista bem aceite, porque as primeiras têm contra-indicações graves nas vítimas - coitadas, sempre as vítimas.

As batalhas já não são o que eram. O pó já não levanta por sobre os vultos caídos - levanta sobre nós, cavaleiros dignos que suam, sangram e sofrem por uma causa indecente. Empurra-nos para a prisão da vitória sangrenta.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Fumo

Inspira forte. O fumo entra em formato de cornucópia pelas narinas feridas do frio. O cérebro engasga-se com a nuvem densa que atordoa também os sentidos.

O fumo não é físico, visível e de odor palpável; não. É visceral, possui o corpo e atira-o para o desespero. No turbilhão de cinzas está envolto, de forma confusa, o pior de nós. Está o abismo do não ter, do não controlar (por não ver).

O fumo é uma obcessão. É difícil impedir que se imiscua dentro de nós, dado que para tal teríamos de parar de respirar - e de repousar eternamente na valeta, esperando pela degradação em pó.

Assim, o fumo faz parte da condição humana de alguns. Viver é sentir o fumo, umas vezes mais fraco, outras vezes mais opaco e negro, queimando a memória alegre e conservadora do eu e da espécie. Sentir o fumo, arder por dentro e chegar ao cúmulo de deixar as labaredas saír, é o que nos distingue de um calhão inerte.

domingo, 20 de novembro de 2011

Corpo-fobia

As luzes, difusas e desfalcadas de vida, pouco deixavam ver senão contornos imperceptíveis. Não era mau que assim fosse - às vezes, vaguear sem consciência ocular é muito menos doloroso. O verdadeiro target point não era a essência, mas sim o formato do frasco que a guardava e que a impedia de sair.

Mas um dia saiu. Um dia, o frasco baço quebrou-se, por culpa do relâmpago de luz que sobre ele abateu. A luz trouxe algo de inesperado: um ogre, de um verde cansado, olhos retraídos nas suas grutas de conforto, dentes pontiagudos a proteger o lábio inferior. A baba escorria, as rugas na testa hedionda eram visíveis parcamente, por trás do pouco cabelo oleoso e sujo que se colava.

Não se sabe como não partiu o espelho à sua frente, na sala. Não se sabe que caminho foi o seu para chegar ali, ao dia da confrontação. Feio seria, mas não cego. Voltou-se em pânico - outro espelho. Quanto mais rodava sobre as patas descalças de unhas retorcidas, mais outro, outro e outro. Nenhuma porta de saída que se visse. Eram 1001 ogres num pranto acriançado, ampliados e tornados ainda mais feios. A baba salpicava o chão espelhado, o tecto era também de um vidro claustrofóbico.

O motivo para estar ali sozinho era óbvio - era demasiado deplorável para poder viver com os outros ogres. Com os outros ogres de cabelo oleoso e sujo, de rugas na testa e olhos encovados. De dentes espetados. De tudo o que tinha o ogre triste, só não tinham a consciência da imperfeição. Não foram os outros ogres a trancar-lhe a porta de saída, fora a sua própria mente e a sua visão doente - disformes os olhos, não o corpo.

As luzes apagaram-se novamente (não que alguma vez tivessem estado verdadeiramente acesas, vislumbra-se o corpo mas não a mente). A cama acordou suada, envolvida pelos lençóis arrepiados do pesadelo que acabavam de presenciar.

E se esse pesadelo fosse a eternidade de alguém? Pobre ogre.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Egoísmo

Há-de sempre chegar o dia. O dia em que as planícies se deixam revolver pelos ventos inseguros, o dia em que o mar trepa de vez o cais outrora lânguido e proveitoso.

No fundo, todos os peões insignificantes deste mundo têm escondida pela roupa bem-cheirosa das regras e costumes sociais a faculdade de incharem como peixe-balão e deixarem a vista turvar-se perante a confiança nas sortes.

Podemos muito bem seguir sem esforço pela faixa apreciável da direita, deixar-mo-nos rolar pelos melhores momentos, até que sem que nada apareça à frente, guinamos subitamente rumo ao acidente. Pergunto-me até que ponto não é esse o nosso modo natural de ser, disfarçado pela convivência ética. Pergunto-me até que ponto valerá a pena nos perdoarmos uns aos outros por algo tão desastroso - mas natural.

Os nossos olhos não são uma força, apenas um indicador de fraqueza - conseguem ver os outros, mas não olhá-los. Fazem de nós irascíveis bestas desconfiadas, crentes convictas apenas do egocentrismo. Disso sim, tenho pena, mas nada mais posso fazer a não ser um inócuo pedido de desculpas e seguir em frente, com mais uns estilhaços a aparecerem no espelho que condensa as frias lágrimas do falhanço.

sábado, 22 de outubro de 2011

Águas

Quando a esperança de navegar para longe se via já atolada quanto baste no deserto das horas, eis que uma daquelas tempestades dilúvicas me deixa agarrado sem fôlego ao mastro da embarcação. Toldado pela velocidade das marés, vi a vida à minha frente, por ter deixado de a ver.

Ilusão de óptica em alto mar, será?

Nada me faltava. A corda para limpar o rabo estava lá, a comida enlatada e seca que alimentava o corpo era escassa, mas suficiente - já a alma apresentava-se farta e nutrida por aqueles ventos amenos que deixavam os cabelos de todo o corpo em pé.

Agradeci a ambas as forças da natureza (o ar e a água, leia-se, não o amor e a ilusão) pela refeição soberba, pelo olhar agora vivo e fulgurante, atarefado com a vida em alto mar, onde podia olhar para tudo e não ver, cego, mais do que o horizonte indefinido. Como é bom viver sem perspectivas seguras de futuro, sem precisar sequer delas.

Cedo demais o fiz. Os ventos não mudaram - permaneceram indecisos, vagueantes, desnorteados. Mudou a minha necessidade de mar, de descoberta. No meio das águas voláteis, cada passo calculado é ainda assim um passo em falso. As saudades da terra apareceram. As saudades do refúgio fácil quando o vento me sopra palavras que não quero ouvir, as saudades da liberdade de poder perder-me e, ao voltar a erguer o olhar, saber que os arranha-céus me irão guiar para o meu lar de sempre.

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

To you

Enquanto te vejo a dormir, pergunto-me se será possível. O vento levou consigo os viajantes incómodos, áridos e poeirentos que erodiam o coração. Ao mesmo tempo, como criança que desliza lentamente por trás de nós para nos assustar e corre quando está perto, assim me assolou a essência que teimava em escapar-se pelas minhas mãos soturnas e pouco esperançosas.

Não me resta outra solução que não fitar os teus lábios finos de banda desenhada, os teus olhos de doce lunática, os teus cabelos de revolto castanho, o teu corpo torpe e esguio. Faço-o como se o amanhã os despisse dos adjectivos e os deixasse apenas lábios, olhos, cabelo, ordinários e vulgares. Olho convencido de que a luz não vai nunca voltar a espreitar pela fresta da portada da janela e ranger mais uma vez um sonoro “bom dia”.

Mas vai. Há tanto para fazer lá fora…fora de nós, num mundo sem pausa ou paragem possível. Felizmente, os momentos são efémeros, mas a memória é bastante poderosa. Por causa dela, aqui estou, sozinho e longe, a lembrar-me do quanto te amo.

domingo, 28 de agosto de 2011

As folhas e o vento

Aqui dentro está quente, acolhedor, confortável, como sempre. Lá fora as folhas caiem banalmente, como sempre fizeram, aos poucos consumando a calvície das árvores e a incontinência das nuvens.

Suspiro. Só queria companhia, para não cair sozinho como as folhas amarelo-fora-de-prazo das árvores. Só queria viver o fácil e banal cliché de andar à chuva de mãos dadas com a minha pseudo alma gémea. Pseudo. Isso não existe.

Mas existem tantas folhas, tantas potenciais folhas...
Apenas o vento as pode fazer roçar em mim na queda, deixar os seus cadernos caírem ao chão na esquina do Outono e trazer para a mesa duas chávenas de café e de miragem.

O vento está lá fora e eu estou cá dentro, longe do mundo das probabilidades. Por ora desisti de me tornar escravo desse mundo, dessa corrente de ar pela qual já esperei, impotente.

Agora vejo as folhas viverem, rodopiarem como marionetas do destino cruel. O destino é pai do vento e ensinou-lhe todos os seus truques. Um dia, sei que não vou resistir, sei que me tocará á campainha. Sei que terei de abandonar o "aqui" e tentar outra vez a minha sorte.

Playground love


As mãos tremem com o medo de te ver - não, com medo que me vejas! Os corredores polifónicos parecem mergulhados num lago de indiferença, para ecoar apenas um som. Para ecoar um gesto, um olhar.

O jantar deixa de fazer sentido sem estares ao lado. A colher passeia, girando nos mesmos sítios, com a cadência dos suspiros e da memória de duração infinita que passa no meu ecrã privado.

Corro como se o fogo me pudesse alcançar os pés ou como se o frio me pudesse congelar a alma. Beijo com a violência de quem ama mais do que a vida pode dar, para a seguir fugir com medo do quão longe fui.

Os pés sintonizam-se com os teus, suavemente polindo o chão de madeira, enquanto a tensão da tua cabeça no meu ombro dura pela noite fora e leva-nos para outro chão.

"You're my playground love"



sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Túnel

Tudo o que eu menos queria era ver-te outra vez. Mas apareceste. Pelo brilho alternado dos carrinhos de choque, suspensos longe da gravilha do solo, vi novamente os teus cabelos, passado tanto tempo como da última vez que a água inundou o deserto. Não eram cabelos reais, de seda, pintados no cabeleireiro do bairro; não. Era um holograma habilmente realizado pelas luzes festivas. Vamos fingir que não apareceram pelo tormento do “ter saudades”, pela falta do oxigénio vicioso que me davas quando baixavas as cuecas.

Não te menti. Se no início queria o perfume dos teus cabelos caros ou o segredo baço dos teus olhos vidrados, rapidamente o perfume fugiu e o segredo passou a ser monotonia. A razão do nosso ser passou apenas à mundana travessia do túnel cor de pele, às bocas retorcidas dos gemidos e ao egoísmo dos olhos fechados para o mundo.

Porque apareceram os teus cabelos tanto tempo depois, do nada do céu? Porque quero tudo isso outra vez. Não necessariamente os teus cabelos ou o mesmo túnel, talvez outros, sei que não alimentas esperanças nem eu o faço. Que outro exótico perfume me invada. Estou novamente pronto para isso. Para o túnel todos estamos. Sempre.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Um café parte 2

*

Mentira. O estômago borbulhava, insaciado, talvez também pela conversa despertada em torno de uma estúpida torrada – conversa que lhe pareceu totalmente despropositada, não estivessem os seus cavaleiros da mente ao serviço de outras necessidades.

Era um daqueles dias em que, como nuvem que aparece do nada e teima em desaparecer, fazendo-o ao fim de várias horas de precipitação, as ideias assombravam-no e obrigavam o cérebro a digeri-las, a decompô-las, para que assim a tempestade (qual brain…storming) terminasse de forma pacífica, dentro do possível. Ainda nenhuma dessas sessões havia resultado de forma minimamente duradoura e as nuvens voltavam sempre, ao fim de dias de paz e sossego.

Uma vontade estúpida, irracional, ditou que procurasse aquelas fotos, aqueles nomes e cenários que continuavam a marcar-lhe os dias. Mais do que uma fiel cópia dos acontecimentos, ficaram as memórias triviais que lhe relembravam a solidão; as marcas de guerra, as dúvidas – quando viria aquilo tudo a desvanecer-se de vez?
Tenho uma teoria. Vivemos para acumular cicatrizes, para montar à toa peças de um puzzle cuja imagem final desconhecemos. Naturalmente, apesar dos nossos melhores esforços, de forma alguma elas ficam bem encaixadas. Mesmo quando tentamos compor aqui e ali, há sempre outra peça, subjugada, menosprezada, que sai do sítio ou parte para sempre – e assim partimos nós, um dia, numa escala maior.

Quando olhamos para o gelo plácido do passado, torna-se mais fácil analisar as peças que ficaram por encaixar, o puzzle para sempre incompleto. O sol daqueles dias avizinha-se longínquo, na altura mais importante do que essa rectidão e perfeição do puzzle. Afinal de contas, seremos feitos para beijar a perfeição ou para apertar o calor terreno da vida, aquele que dita a incompletude das peças e o retrato final ambíguo?

E se o puzzle for perfeito, será a imagem nele representada, aquela que as pessoas vêem, igual à que realmente somos? Duvido. A perfeição exige o sacrifício do eu.

*

O Pedro acabou por pedir uma tosta. O seu estômago enviara um ultimato ao cérebro distante, alertando para a sua pouca sensibilidade para dramas pessoais. Mais um pedaço de carvão fazia o seu percurso sinuoso, por entre cadeiras, antes de chegar à mesa.

Um café parte I

Era um daqueles cafés completamente simplórios, perdidos no tempo. Tornara-se o paradeiro habitual do grupo não sei precisar há quanto tempo – meses, vários, cuja noção se foi esfumando em cada dia de passadas sofridas, de um nascer e pôr do sol completamente coloquial e vazio. Abrigado pelas cinzas do tabaco da plebe e pelo fumo nas mesas encardido, mergulhado nas conversas humildes dos moradores da zona - aquelas das quais vive o mundo, mas das quais todos chacotam mordazmente - assim sobrevivera às duras aguilhoadas do tempo. Não havia nenhum sítio mais à mão e assim se tornou tacitamente o centro das conversas, das fugas às casas monótonas.

Estavam lá os 4 do costume. Um rapaz de tez morena e cabelo liso, preto, de franja caída sobre os olhos cor de turquesa, começava a ingerir avidamente a torrada que pedira uns minutos antes, um pouco queimada, e o galão que, do balcão até à mesa redonda de ferro sustentada no chão de mosaicos ao xadrez preto e cinza, entornara uma quantidade considerável.

- “Interessante, em vez de manteiga barraram-na com carvão.” – troçou Rita, com o seu sarcasmo quase tão marcado como as borbulhas presentes na cara. Uma pena, de facto, não fosse ela a perfeita representação do estereótipo da loira de olhos azuis.
- “É, mas parece que ao menos aqui alguém se alimenta.” – zombou Ricardo, com um certo ar sério à mistura que indicava algum fundo de verdade na resposta. E tinha razão, toda a gente sabia da ligeira obsessão de Rita em relação ao seu corpo, construída durante a adolescência e ainda presente, agora que entrava na sua segunda década de existência. Nada de demasiado grave, apenas mais uma coisa para atormentar a vida já de si bastante pacata de um perfeito ió-ió emocional.

- “Vá, não sejas assim.” – principiou a sensatez em pessoa, que era Patrícia – “A esta hora é normal que as coisas já não saiam tão bem, além disso eles estão mais habituados a servir cervejas e amendoins. Ninguém te manda ser uma carta fora do baralho” – sorriu, ligeiramente na galhofa.

- “E tu, não pedes nada, Pedro?” – perguntou Rita, , entretanto propositadamente no campo de visão deste e provocando imediatamente o virar do pescoço dos outros 2 na sua direcção. Pedro não dissera nada de especial desde que entrara no café. Quase parecia estar a acompanhar a conversa como um dedo que acompanha as gotas que escorrem nas janelas, quando chova, sem lhe chegar a tocar ou a compreendê-la devidamente.

- “Hmm, desculpa?” – principiou Pedro, surpreendido com a tirada.

-“Se não vais comer qualquer coisa!” – insistiu a loira.

-“Não, não tenho fome…e também não quero gastar dinheiro.” – retorquiu com um nível de excitação em tudo semelhante ao proporcionado por uma corrida de caracóis. Afinal de contas, é habitual as coisas começarem assim, com falta de apetite.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Ruas

Os olhos não deixavam margem para dúvidas; os passos perdidos na melancolia também não. Richard não escolhia o caminho que percorria cegamente - as suas pernas é que, de alguma forma, eram conduzidas pela força do alcatrão rodoviário degradado.

Era de noite, típico cliché para histórias dramáticas de indivíduos afogados numa pequena bacia de problemas (não necessariamente um mar deles). Não, isto era sério, tão sério que nem a dor latejante nos pés era capaz de chamar a sua atenção para a distância que já percorrera.

As várias picadas que levara não eram capazes de o matar na hora, mas aos poucos o veneno começou a apoderar-se da vida - não do corpo. Menos uma pessoa, mais uma pessoa nas nossas vidas. Que diferença assim tão grande poderia fazer, afinal?

Virou para uma pequena ruela, à direita, em tudo similar à que se afigurava no lado oposto. Perguntou-se porquê aquela, aleatoriamente, e as rodas dentadas do raciocínio encaixaram na perfeição e começaram a rodar: também com as pessoas é o acaso que decide e a ilusão que nos mantém na rua escolhida. A ilusão é o apagar dos candeeiros da cidade, que torna todas as ruas turvas e escuras.

Podemos escolher a cor, a quantidade, o modo de administração e até a legalidade, mas no fim de contas, qualquer relação é uma droga - deixando-nos agarrados às veias do amor e do hábito, assim que o fornecimento acaba. Leva-nos ao fim, não necessariamente da nossa presença móvel na terra mas do nosso fim enquanto "eu" e "tu".

Se assim é, porque não escolhemos criteriosamente as pessoas que tanto nos moldam como se de plasticina fôssemos feitos?

Embargado pela conclusão, Richard virou à direita após a grande avenida da cidade. Sem razão aparente.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Palavras.

As palavras mentem. Com as palavras que escrevo, não posso senão fazer uma fotocópia, no preto e branco distante do passado, de dores que floresceram no meu peito ou de prantos que nunca chegaram a o ser.

As palavras são como folhas mortas no chão - perdem a vida mal caiem da árvore do agora aos pés das raízes gastas e calejadas da rotina. Caiem na valeta do esquecimento ou boiam dispersas no charco inquinado do afastamento e da azáfama da solidão.

As palavras nunca poderão matar como um punhal em cascata de sangue num peito humano, mas o seu efeito é mais prolongado. São como pequenas picadas, dia após dia, desferidas precisamente no mesmo buraco que se vai escavando na alma. É a tua arma preferida, qual serial killer em que a vítima não chora sangue mas esvai-se em lágrimas. As palavras não mentem. Apenas apaziguam o teu ódio, o teu desnorte.

sábado, 23 de abril de 2011

Rosa...com espinhos. Updated version.

Eu, rosa de tristes espinhos, enferma estou de tão fútil elogio e agrado. De que vale um fugaz aceno de aprovação, que se consome tão brusco como tarde de sol em Londres? De nada! De um nada infinitamente 0, de um enorme e cheio vazio.

Só queria que alguém fosse mais longe – ousasse pelo menos imaginar o que fica para trás das muralhas. Tudo o que queria era sentir corajosa mão nos meus espinhos, cravada até aos limites da loucura – pele rasgada e sangue morno a brotar, invisivelmente tingindo o meu vestido de pétalas rubras. Não, não seria a morte, antes a prova de honra necessária para que alguma brava existência faça o seu caminho até ao que dentro de mim há, envolto pelo vestido de gala vermelho. Que a dor não o travasse, não, porque valiosa é tão pungente defesa exterior.

Não o conhece, pois, ninguém, ao segredo (à vida!) que em mim protege. Nem cuidadosa jardineira que de mim fingiu cuidar durante dias e noites, mais as noites do que os dias. Para essa, fui só rosa sem espinhos, ingénua e jovem – temerosa, frágil, quebradiça! Terrível excepção cometera eu e os meus segredos ficaram assim visíveis para tão pouco meritória criatura. Pois assim espinhos em mim surgiram, ferozes e bicudos, furando aqui e ali o lindo vestido – para afastar os que com o negro se medram e os que vendo o vermelho não se deixam romanticamente cegar.

terça-feira, 19 de abril de 2011

Whatever

Nunca sei como começar. Nenhuma maneira parece suficientemente genuína, verdadeira. Nenhuma nuvem que pretendo escrever fica borratada nos mesmos tons de significação e nenhuma lua consegue permanecer tão orgulhosa na sua solidão como eu a sinto.

As húmidas granadas, enviadas de forma sequencial em viagem descendente, impedem cada fracção de segundo de clareza e de transformação – um verdadeiro desastre, visto que fazê-lo e transportá-lo para este plano real e caótico sempre foi a minha maneira de sobreviver. Basicamente, porque o cheiro nauseabundo, o fumo negro e espesso, as labaredas altíssimas num degradé de cor-de-laranja são as únicas coisas que quero inspirar bem fundo e manter cá dentro, para me mostrarem que continuo vivo. De forma medíocre e consumida, mas vivo. São as únicas que, quando as perco de vista, me fazem estacar num cenário de luzes que se apagam e deixam o espectáculo passivo da tv, onde tudo se passa sem que façamos parte da ficha técnica, num estado de pausa semelhante a um coma da vida.

As utopias do fantástico nunca me chegaram a cumprimentar com grande reverência irónica e as lúdicas ilusões dos verdes anos nunca me possuíram verdadeiramente a alma, agora completamente cicatrizada com pontos dados pelo tempo. 15 pontos na alma, como o nome do filme. Muitas mais são as vezes que me pergunto porque nada me consola como a um bebé envolto no seu berço de carinho e protecção; como a duas pessoas ligadas por uma hera quebradiça e podre, prestes a romper a qualquer momento – mas, ainda assim, capaz de as unir de forma efémera.

As respostas não surgem. A chuva continua a escorregar pelo ar conspurcado, silenciosa – mas capaz de dizer mais do que tudo o que já li e tudo o que já escrevi. Se calhar por existir enquanto chuva e não enquanto objecto preso a dogmas e expectativas infundadas, a devaneios de terceiros.

A chuva não pode ser controlada, mas grato seria por me submeter às suas vontades partindo de um quadro branco, por pintar, o resultado da inércia naturalista e não da reflexão. Oxalá pudesse limitar-me a senti-la, como rainha de agulhas frias, exorcista das peças do puzzle que não encaixam e que teimam em chocar umas com as outras neste tabuleiro de sangue e sentidos.

segunda-feira, 14 de março de 2011

Mais longe

E assim rebentei de vez com o chão periclitante que pisava. Já muitas fendas o povoavam e anteviam tal desfecho óbvio.Não estava lá o ouro com o qual vou sonhando; o ouro que, nos meus momentos de sede sensorial, dou por mim a procurar a qualquer custo.

Bem sei que é efémero, que não é ele que importa mas sim a descoberta; bem sei que, uma vez encontrado, deixa de ter todo e qualquer valor. A próxima exploração planeia-se sempre de dimensões épicas e avassaladoras, capazes de suplantar as (des)ilusões anteriores.

A descoberta de novos trilhos funde-se simbioticamente com a auto-destruição provável do meu corpo limitado e insatisfeito, cuja acção frenética o meu cérebro latejante pretende imolar de forma eterna.

Antes acontecesse tal alívio. Novamente, como ciclo vicioso, uma vez descoberto o tesouro este reduz-se à importância de um ar - que respiramos há demasiado tempo para o notarmos - ou de um contacto físico ríspido, mecânico, rudimentarmente carnal.

Ainda não percebi se é o nevoeiro que me impede de ver outras ilhas preciosas ou se, pura e simplesmente, não há nada mais para penetrar. Se calhar é só uma protecção - não é por acaso que me sinto sujo e usado.

O pior...é que um dia o tempo esgota-se e o infinito fica sempre lá, nesse mesmo sítio que no fundo sabemos não poder tocar - nenhum de nós. Almas resignadas, este é o vosso mundo, não o meu.



"Foder é perto de te amar, se eu não ficar perto"

domingo, 27 de fevereiro de 2011

...

Porque a praça dos sentidos e a revista do passado há-de sempre trazer de volta o que de pior há em nós, como um beco sem saída, cujos limites aprisionam a nossa fraqueza humana de querer mais e não o poder atingir.

Porque a morte não é mais do que um remendo, um mal menor para essa falha incrível que faz de nós tão pouco como a vida e tanto como isto que escrevo.

Mas e se houver uma pequena luz? Fingimos vê-la, como todos os outros. Fingimos que o nosso amo não nos tem como escravos, fingimos não haver mais nenhum caminho. E não há mesmo...

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Infinito

O meu único vício é não ter vício nenhum. A minha única existência é, paradoxalmente, a minha morte, lenta e invisível para os outros. Lenta porque não tenho como evitar o tempo que corre em direcção a mim, invisível porque os olhos só vêem as cicatrizes do corpo, não o suplício delirante e agudo da alma.

Caminhar acompanhado é a mesma coisa que caminhar sozinho. Beijar os teus lábios carnudos é a mesma coisa que ouvir sendo surdo, caminhar sem pernas. Ainda se tivesse um rumo definido...poderia viajar, mesmo sem elas.

A minha única oração é o silêncio do desespero, o fim da linha e a saída eminente do comboio que devia seguir para o infinito.

Maldito infinito. É para ele que as pessoas vivem, mesmo quando dizem aceitar a morte - porque mentem a si próprias. É nele que as pessoas se encontram, quando julgam que se irão perder. É nele que deixam de ser criaturas imperfeitas e incompletas - antes o nada do que o inacabado.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Ritual

Estou doente. Já não consigo ver com clareza as pétalas que vão lançando à minha passagem, arrancadas de forma condenável para me servir, pés ingratos que se esfregam ao longo da calçada do tempo.

Pior do que isso: já só vejo as facas ferrugentas que me apontam. Raios, ferrugentas? Consegui que nutrissem assim tanto ódio por mim - durante tanto tempo? Não, nunca fui importante a esse ponto.

Então, como explicar isto? Não é um mero acaso: todas as noites, sinto a ferida a ser aberta lentamente, com laivos de malvadez ritual. Todas as noites, sinto o sangue a verter - ao princípio com gritos de aguda desorientação, agora resignadamente silenciosos - já não vale a pena.

Abandona-me em cada vez maior quantidade...e enquanto não mergulho nos domínios privados do repouso. (afinal de contas, se acontecesse enquanto durmo, sinal seria de que o meu templo sagrado havia sido profanado e não se iria esfumar o corpo, antes a mente).

É tudo uma questão de tempo, sempre o soube. Talvez até já tenha aguentado mais do que merecia. Devaneios filosóficos não vão fazer nada por mim agora. Céus, se tivesse uma mão estendida para mim...mas não, não poderia ousar dividir com ela a dor, ainda assim. Que as luzes se apaguem - mas só para mim.

Será? Resta a dúvida - até que ponto irá o egoísmo?

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Texto expositivo...

Lembro-me como se fosse hoje. Comparando ao futuro longínquo da velhice caduca, de bengala imponente de madeira e crescente desejo de auto-aniquilação, se calhar foi mesmo hoje.

Tudo começou com um filme que ambos quisemos partilhar. Sabíamos que, no fim, o feitiço seria quebrado e aqueles breves segundos em que nos cruzámos seriam levados pela tempestade caótica que às vezes assola esta terra.

Não fomos forçados pelo ostensivo relógio do portátil, nem tão pouco pelos tiros sangrentos das imagens que dançavam para os nossos olhos. Tudo se desenhou por pura inspiração e capricho divino, em tudo similar à fracção de segundo de génio do artista, quando sabe exactamente que rumo dar à sua obra.

Um sopro que só eles entenderam levou os nossos dedos ingénuos a aproximarem-se lentamente, saboreando o toque efémero de tão pequena porção de alma; a razão congelou por momentos - oh, se assim tivesse ficado para sempre!

Enquanto isso, os nossos corpos descreviam movimentos de medo e de atrevimento, num impasse que não conseguíamos resolver. Fomos marionetas dos sentidos, controlados por cordas de desejo e calor. Os nossos lábios procuraram-se no escuro, sem saberem muito bem porquê. Encaixaram de forma humanamente perfeita e, naquele momento, tudo fez sentido - até a escuridão.

Os disparos sangrentos deixaram de se ouvir. Deram lugar ao ruído maquinal da ilusão e à procura de um novo significado ainda mais profundo, de um ponto de chegada ainda mais longínquo, envolvido pela protecção morna da manta do sofá.



(desta vez, a única relação da música com o texto é a pureza e beleza, para além da forma lenta como vai crescendo...no tempo e em nós)

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Forget

A vida não é tão difícil de explicar como eu pensava. Sou uma mera linha recta, imutável e inabalável. A maior parte das outras linhas sabe o risco que corre, nunca se aproximando de tão anormal excepção.

Há, no entanto, uma ou outra que arrisca tocar com todas as suas forças esta linha. Todas elas vão sendo impelidas para bem longe, nunca chegando a fundir-se uma vez que seja comigo.

Porém, há uma recente excepção que levanta questões e abala alicerces. Talvez esta linha já não esteja tão recta como eu julgava - se calhar isso não é uma coisa má. Se calhar, a pouco e pouco, vou absorvendo, num processo simbiótico, outra linha em mim. Se calhar, estou também a dar uma parte de mim, parte essa que nunca mais vou conhecer ou afagar com a ponta dos meus dedos.

O processo dói. Às vezes, dá vontade de acabar directamente com a minha linha - e, indirectamente, com a tua. Mas sempre gostei de causar o menor sofrimento possível, visto que o mal é meu. Vou deixar que a tua linha se desembarace pacificamente da minha e siga o seu caminho nesta folha de papel.

"They'll give us something,
They'll give us so much to forget"

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Fora não, acima!

Estou fora deste mundo. Deslizo, leve, livre e lento, acima das nuvens delicadas e rugosas; acima das rodas que rangem e rodam, em conflito contínuo umas com as outras.

Nada me perturba. Nem mesmo o facto de não saber se voltarei a encontrar o caminho para tamanho voo, nem sequer o facto de não saber quanto tempo me conseguirei aguentar até que me falte o fôlego - até que as asas cedam fatalmente ao marasmo da multidão.

domingo, 30 de janeiro de 2011

O daltónico e as cores

Não sei escrever. O papel que uso fica colorido, mas nunca com as cores que quero. É como se o arco-íris apenas me emprestasse as menos valiosas. A caneta, a dada altura, teima em afrouxar e deixar de brotar a cópia de emoções que lhe peço e sempre pedi - por favor.

As correntes iludem-me e empurram-me sempre para a mesma zona de corais fáceis e banais que toda a gente conhece, como se não existisse mais nada para ser visto. O mundo transforma-se numa pequena bola cujos recantos me fartam, me enchem de tédio, me fazem sentir incompleto.

Recuso-me a acreditar que a adrenalina da novidade chegou ao fim. Tem de haver algo mais imerso nas minhas marés - tem de haver algo mais para saír como truque de magia pelo bico ordinário da caneta. Se assim não for, como hei-de respirar? O ar não me chega, monótona e estável mistura de gases.

Ainda espero que a caneta se aventure noutras correntes, não sei se por experiência se por acaso. Não tenho medo de me perder quando ela colocar em risco os meus passos - o meu corpo vale menos do que o perigo. A única coisa de valor são as cores com que pude pintar a minha alma.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Manchas

Manchas. Escuras, claras, grandes, pequenas. Cor psicológica, talvez? Representação mental? Sem dúvida. São invisíveis, mas conseguimos senti-las, ainda frescas.

Podemos continuar a escondê-las, a guardá-las seguras do mundo, com medo que contaminem todos os outros.

Enquanto isso, elas criam raízes mesquinhas nos nossos corpos fracos, fazem deles marionetas de madeira rachada e podre. As fragilidades fazem-nos caír em slow motion no alcatrão, prontos a ser atropelados violentamente por quem mais anda na estrada.

Sim, a cura existe. Não desperdiçar as munições contadas a fazer rolar pelo chão faces redondas e quadradas - brancas mas não da base, vermelhas mas não do batom. Cruel fim, o dessas faces. Só queriam ajudar...e nós só as quisemos proteger, bem sei.

Um dia descobrimos que é tarde. Descobrimos que abraçar um morto é o mesmo que abraçar um desconhecido - nenhum deles está lá para cicatrizar as feridas e secar as manchas com o seu casaco tépido e fofo.