segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Sofá dos sonhos




Rodeiam-me paredes de cansaço, sujas e riscadas do tempo que por elas passou. 10 anos, 10 longos anos que passaram rápido demais. O ar denso parece arrastar as tristezas aprisionadas na tinta branca envelhecida.

O sofá puxa-me para si, com a força de milhões de braços de ferro, como sempre soube fazer. Sabe melhor que ninguém que tudo o que quero é deixar-me voar baixinho, aos comandos do líquido brilhante e escuro que brota irregularmente da caneta. Apenas quero imaginar-me no meio de nuvens redondas, mais genuínas e bonitas do que alguma vez foi a massa cinzenta que polui os céus desta cidade.

Mas a minha fiel companheira de viagem começa a ficar gasta. A única que me pôde manter acordado, ainda que adormecido. A única que me pôde mostrar a luz, embora efémera -maldita maldição! Não a caneta, apenas a minha alma desobediente, que sempre me levou para becos distantes, perigosos, perfeitos na sua solidão.

À medida que a tinta traça curvas determinadas e rectas de rabiscos, a ilusão vai desaparecendo. Lentamente, trazendo a dor de um coma profundo.

Nunca acreditei que a minha vida passava pelos teus lábios secos e finos. Não quis crer que o meu mundo se reflectia nos teus olhos semi-cerrados. Evitei o abraço da tua pele vulgar, dos teus cabelos revoltos. Perdi desesperadamente a rotina de te ter, o conforto do meu espírito, outrora quente e acolhedor.

Deixei-me iludir pela esferográfica. Preferi perder-me na perfeição do imaginário.

10 minutos. Uma luz forte ilumina a minha face, por trás do sofá. Afinal a massa cinzenta sempre viveu somente em mim. Sempre escondeu o verdadeiro sol, a verdadeira razão destes passos que maquinalmente vou seguindo. Atraiçoou-me: levou-me para um círculo vicioso, sem saída possível. Uma estrada que me obriga a voltar regularmente, fazendo-me sair de cada viagem cada vez mais fraco.

10 segundos. Agora é tarde. O que mais dizer? Em breve vou ter-te a meu lado. Não por um bocadinho, mas para sempre. Não em sonhos, mas na morte. Sinto a minha alma a partir, mas não como sempre fez. Desta feita é diferente.

Que sofá tão confortável.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Fases



No que me queres tornar, se o meu eu assim se esfuma - como vaga e doce espuma?
Porquê o mesmo erro, se o tornado há-de sempre voltar para destruír a minha paz temporária?

Porque o atiças e o tornas cada vez mais poderoso? Porque pões à prova as telhas gastas da minha casa?

Não seria o teu papel proteger-me, como uma andorinha defende o seu ninho religiosamente? Não me devias aconchegar o ego em vez de fazeres de mim um rato indefeso, perdido num esgoto sombrio?

Que utopia, que sonho tão maravilhoso que até hoje sonhei. Até hoje. Até quando vais repetir o vício - tornar o pesadelo em sonho efémero? Até quando me vou deixar iludir pelo medo que não quero sentir?

domingo, 1 de agosto de 2010

Distância



Perguntas-me o que é a distância
São os metros, são os passos
A que estou dos teus abraços!

É a ânsia de conhecer
O final da história a meio
É o medo de te perder,
Ilusão que até mim veio!

São os passeios junto ao rio
Que me acalmam e preenchem
Eterno em mim vazio!

E as dúvidas que abordam
A minha alma inquieta
Sempre que se repete o ciclo
E partes para parte incerta!

São os vinte e três segundos
Em que da tua luz me despeço.

São os becos nos quais tropeço!

Mas sei que o teu regresso
É mais do que vão desejo
Anseio que sonho e almejo
Prova que vês em mim
Tanto quanto em ti vejo!

Assim, aguento as águas
Que me trazem nas ondas rebeldes
Sonhos, saudades e mágoas!