segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Fora não, acima!

Estou fora deste mundo. Deslizo, leve, livre e lento, acima das nuvens delicadas e rugosas; acima das rodas que rangem e rodam, em conflito contínuo umas com as outras.

Nada me perturba. Nem mesmo o facto de não saber se voltarei a encontrar o caminho para tamanho voo, nem sequer o facto de não saber quanto tempo me conseguirei aguentar até que me falte o fôlego - até que as asas cedam fatalmente ao marasmo da multidão.

domingo, 30 de janeiro de 2011

O daltónico e as cores

Não sei escrever. O papel que uso fica colorido, mas nunca com as cores que quero. É como se o arco-íris apenas me emprestasse as menos valiosas. A caneta, a dada altura, teima em afrouxar e deixar de brotar a cópia de emoções que lhe peço e sempre pedi - por favor.

As correntes iludem-me e empurram-me sempre para a mesma zona de corais fáceis e banais que toda a gente conhece, como se não existisse mais nada para ser visto. O mundo transforma-se numa pequena bola cujos recantos me fartam, me enchem de tédio, me fazem sentir incompleto.

Recuso-me a acreditar que a adrenalina da novidade chegou ao fim. Tem de haver algo mais imerso nas minhas marés - tem de haver algo mais para saír como truque de magia pelo bico ordinário da caneta. Se assim não for, como hei-de respirar? O ar não me chega, monótona e estável mistura de gases.

Ainda espero que a caneta se aventure noutras correntes, não sei se por experiência se por acaso. Não tenho medo de me perder quando ela colocar em risco os meus passos - o meu corpo vale menos do que o perigo. A única coisa de valor são as cores com que pude pintar a minha alma.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Manchas

Manchas. Escuras, claras, grandes, pequenas. Cor psicológica, talvez? Representação mental? Sem dúvida. São invisíveis, mas conseguimos senti-las, ainda frescas.

Podemos continuar a escondê-las, a guardá-las seguras do mundo, com medo que contaminem todos os outros.

Enquanto isso, elas criam raízes mesquinhas nos nossos corpos fracos, fazem deles marionetas de madeira rachada e podre. As fragilidades fazem-nos caír em slow motion no alcatrão, prontos a ser atropelados violentamente por quem mais anda na estrada.

Sim, a cura existe. Não desperdiçar as munições contadas a fazer rolar pelo chão faces redondas e quadradas - brancas mas não da base, vermelhas mas não do batom. Cruel fim, o dessas faces. Só queriam ajudar...e nós só as quisemos proteger, bem sei.

Um dia descobrimos que é tarde. Descobrimos que abraçar um morto é o mesmo que abraçar um desconhecido - nenhum deles está lá para cicatrizar as feridas e secar as manchas com o seu casaco tépido e fofo.