Era um daqueles cafés completamente simplórios, perdidos no tempo. Tornara-se o paradeiro habitual do grupo não sei precisar há quanto tempo – meses, vários, cuja noção se foi esfumando em cada dia de passadas sofridas, de um nascer e pôr do sol completamente coloquial e vazio. Abrigado pelas cinzas do tabaco da plebe e pelo fumo nas mesas encardido, mergulhado nas conversas humildes dos moradores da zona - aquelas das quais vive o mundo, mas das quais todos chacotam mordazmente - assim sobrevivera às duras aguilhoadas do tempo. Não havia nenhum sítio mais à mão e assim se tornou tacitamente o centro das conversas, das fugas às casas monótonas.
Estavam lá os 4 do costume. Um rapaz de tez morena e cabelo liso, preto, de franja caída sobre os olhos cor de turquesa, começava a ingerir avidamente a torrada que pedira uns minutos antes, um pouco queimada, e o galão que, do balcão até à mesa redonda de ferro sustentada no chão de mosaicos ao xadrez preto e cinza, entornara uma quantidade considerável.
- “Interessante, em vez de manteiga barraram-na com carvão.” – troçou Rita, com o seu sarcasmo quase tão marcado como as borbulhas presentes na cara. Uma pena, de facto, não fosse ela a perfeita representação do estereótipo da loira de olhos azuis.
- “É, mas parece que ao menos aqui alguém se alimenta.” – zombou Ricardo, com um certo ar sério à mistura que indicava algum fundo de verdade na resposta. E tinha razão, toda a gente sabia da ligeira obsessão de Rita em relação ao seu corpo, construída durante a adolescência e ainda presente, agora que entrava na sua segunda década de existência. Nada de demasiado grave, apenas mais uma coisa para atormentar a vida já de si bastante pacata de um perfeito ió-ió emocional.
- “Vá, não sejas assim.” – principiou a sensatez em pessoa, que era Patrícia – “A esta hora é normal que as coisas já não saiam tão bem, além disso eles estão mais habituados a servir cervejas e amendoins. Ninguém te manda ser uma carta fora do baralho” – sorriu, ligeiramente na galhofa.
- “E tu, não pedes nada, Pedro?” – perguntou Rita, , entretanto propositadamente no campo de visão deste e provocando imediatamente o virar do pescoço dos outros 2 na sua direcção. Pedro não dissera nada de especial desde que entrara no café. Quase parecia estar a acompanhar a conversa como um dedo que acompanha as gotas que escorrem nas janelas, quando chova, sem lhe chegar a tocar ou a compreendê-la devidamente.
- “Hmm, desculpa?” – principiou Pedro, surpreendido com a tirada.
-“Se não vais comer qualquer coisa!” – insistiu a loira.
-“Não, não tenho fome…e também não quero gastar dinheiro.” – retorquiu com um nível de excitação em tudo semelhante ao proporcionado por uma corrida de caracóis. Afinal de contas, é habitual as coisas começarem assim, com falta de apetite.
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