segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Um café parte 2

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Mentira. O estômago borbulhava, insaciado, talvez também pela conversa despertada em torno de uma estúpida torrada – conversa que lhe pareceu totalmente despropositada, não estivessem os seus cavaleiros da mente ao serviço de outras necessidades.

Era um daqueles dias em que, como nuvem que aparece do nada e teima em desaparecer, fazendo-o ao fim de várias horas de precipitação, as ideias assombravam-no e obrigavam o cérebro a digeri-las, a decompô-las, para que assim a tempestade (qual brain…storming) terminasse de forma pacífica, dentro do possível. Ainda nenhuma dessas sessões havia resultado de forma minimamente duradoura e as nuvens voltavam sempre, ao fim de dias de paz e sossego.

Uma vontade estúpida, irracional, ditou que procurasse aquelas fotos, aqueles nomes e cenários que continuavam a marcar-lhe os dias. Mais do que uma fiel cópia dos acontecimentos, ficaram as memórias triviais que lhe relembravam a solidão; as marcas de guerra, as dúvidas – quando viria aquilo tudo a desvanecer-se de vez?
Tenho uma teoria. Vivemos para acumular cicatrizes, para montar à toa peças de um puzzle cuja imagem final desconhecemos. Naturalmente, apesar dos nossos melhores esforços, de forma alguma elas ficam bem encaixadas. Mesmo quando tentamos compor aqui e ali, há sempre outra peça, subjugada, menosprezada, que sai do sítio ou parte para sempre – e assim partimos nós, um dia, numa escala maior.

Quando olhamos para o gelo plácido do passado, torna-se mais fácil analisar as peças que ficaram por encaixar, o puzzle para sempre incompleto. O sol daqueles dias avizinha-se longínquo, na altura mais importante do que essa rectidão e perfeição do puzzle. Afinal de contas, seremos feitos para beijar a perfeição ou para apertar o calor terreno da vida, aquele que dita a incompletude das peças e o retrato final ambíguo?

E se o puzzle for perfeito, será a imagem nele representada, aquela que as pessoas vêem, igual à que realmente somos? Duvido. A perfeição exige o sacrifício do eu.

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O Pedro acabou por pedir uma tosta. O seu estômago enviara um ultimato ao cérebro distante, alertando para a sua pouca sensibilidade para dramas pessoais. Mais um pedaço de carvão fazia o seu percurso sinuoso, por entre cadeiras, antes de chegar à mesa.

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