Saio do armário. Deixo lá trancadas sombras escuras do passado. Trago vestes que me escondem o corpo e a alma.
Parece noite de Halloween. Não sei porquê, não sei como, mas estou na rua. O alcatrão sujo está deserto, e as árvores deixaram já caír as suas folhas no chão, como frutos maduros. Sou o único que divaga pela luz difusa dos candeeiros amarelados e sujos.
Ando sem parar, com a mente em branco, rumo a lado nenhum - rumo ao destino. A luz começa a ficar para trás. As árvores e a vegetação multiplicam-se. As casas tornam-se menos numerosas, e o silêncio é tão sugestivo...
De subito, apercebo-me do que estou a fazer. Enlouqueci. Porquê ser apanhado por uma bruxa? E ao mesmo tempo...porque não ser enfeitiçado por aquela força misteriosa e apetecível? Fugir da dimensão humana, ir mais longe?
Continuo, com o coração a bater mais ruidosamente. Tudo parece ainda mais escuro - e errado. Começo a transpirar, e o cansaço começa a incomodar o meu corpo.
Ouço um barulho no meio do mato - e dou um pulo. Foi só uma cobra. Passo por uma paragem de autocarros. Olho duas vezes, à espera de encontrar algo aterrador. Ainda não. Não paro, com um misto de receio, determinação e vontade no olhar.
Por fim, chego a um beco sem saída. Com a cabeça a rodopiar, pulsação no auge, pouca clareza, começo a pensar que cometi um erro. No entanto, olho em volta e tudo parece parado, quieto. Tudo foi um sonho. Não há mais ninguém vivo ali.
-"Estavas à procura de alguma coisa?"- diz uma voz satisfeita.
Fico petrificado. Viro-me, e à minha frente, o pior dos meus medos - a maior das minhas conquistas. Cabelo preto pela cintura, lábios pretos; nariz perfeito e longas pestanas pretas que por pouco não ofuscam o brilho daqueles olhos verdes, redondos.
Não respondo. Tento dar um passo atrás, mas tropeço numa abóbora e acabo por cair estendido no chão. Bolas! Porque é ela mais poderosa do que eu?
Inclina-se sobre mim, sempre com aquele sorriso insinuante e divertido. E eu tento-me mexer e barafustar...até que a cor daqueles lábios me amaldiçoa. Leva-me por um caminho que não conheço, por uma estrada cheia de rodopios e curvas, por uma gruta desconhecida. Há vários sons pelo meio, qualquer um deles incompreensível.
E quando tudo acaba, sem me aperceber, ela foi-se.
Voa pelo frio gélido da noite, na sua vassoura, pronta a enfeitiçar mais alguma mente mundana.
Esqueçam os doces; prefiro travessuras.
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