Sinto os acordes da guitarra. A pancada seca e ritmada da bateria. A doce gentileza do piano.
Movo-me ao som da angústia, da paixão, do fogo que me queima lentamente.
Liberto a raiva que me possui, a tristeza que me pára, o medo que me tolda.
Ninguém me importa neste momento, qual rosa narcisista que floresce sozinha, acima de todas as outras.
Oh, quão efémera! Subitamente, a música acaba. Todos começam a partir.
Sentimentos sufocados de novo nessa masmorra secreta, dentro da alma. Apenas resta a escuridão, intensa e livre.
Tomado pela frieza enigmática da noite, enfeitiçado pela aura misteriosa do luar.
A Lua deixa caír lágrimas cinzentas; sabe que nunca me conseguirá mostrar a estrada a seguir.
E a brisa gélida chega...e com ela, uma nova dor, uma nova ânsia.
Onde irei acabar?
Não, não será assim tão simples. Não quero parar.
Faço-me ao caminho, animado pela chama quente que despoletou no meu corpo.
Caminho horas a fio, pelo meio dos milheirais, cuja altura me faz sentir insignificante; continuo por um bosque calmo, onde apenas as árvores sussurram; a dada altura entro na vila, pacata àquela hora, pouco antes do acordar.
Serpenteio por entre as pequenas casas rústicas, construídas em pedra.
A vila está cheia de ruelas e becos dos quais é difícil saír; ao fim de muito esforço, consigo encontrar aquele palácio majestoso, com um porte capaz de entorpecer os sentidos, com uma beleza capaz de acordar qualquer velho coração adormecido...
Não bato à porta - não quero acordar quem lá mora. Entro suavemente por entre os portões - e dirijo-me às escadas, cobertas por um suave tecido vermelho.
Chego ao topo - esquerda ou direita? Tanto faz. Sigo rumo a um dos lados, pedindo para que a sorte me proteja.
O corredor é ricamente decorado. Tem quadros difíceis de contemplar, visto que apenas são alumiados por algumas tochas, que ainda assim mostram as molduras douradas.
O chão tem algumas peles de animais, e ainda que produto de um acto cruel, transpiram luxo e requinte.
Há três quartos, apenas um deles com a porta fechada. Após alguma hesitação, entro nesse.
Encontrei-a. Fios de cabelo de um loiro vibrante, quase dourado, correm até ao pescoço, ondulados; tez muito clara, que respira inocência e sensualidade. Aproximo-me um pouco mais.
As suas pálpebras delicadas repousam ainda, exibindo longas pestanas e sobrancelhas finas e sinuosas.
Devagar, aproximo-me da sua face. Tornam-se visíveis algumas sardas e a pele sedosa que tem. Outra dimensão me prende... até que toco aqueles lábios doces, sossegados, durante alguns momentos.
Ela acorda, lentamente; quando me reconhece, sorri.
Fitamo-nos intensamente. Não há perguntas. Não são necessárias palavras. Apenas mais um beijo...e outro.
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