Isto faz parte de uma pequena história que vou escrevendo e avançando, quando assim me apetece. É completamente despretensiosa, e só espero que seja agradável de ler.
Era um calmo riacho.
De um azul-esverdeado, com alguns pequenos peixes viajando tranquilamente no seu leito morno.
As margens eram húmidas, com erva de um verde brilhante, extraordinariamente vivo. Existiam também algumas árvores, com aspecto secular, mas majestosas no seu porte poderoso.
Estava ali deitado, distante de tudo, com a Sophie. Conhecemo-nos há 11 anos. Vivíamos na mesma rua, St. Peter's Lane, na pouco ortodoxa mas fascinante Manchester. Ambos fomos desenvolvendo ao longo do tempo uma curiosa apetência por livros, filmes e música menos generalistas e pouco conhecidos pela maioria.
Sophie era a única pessoa com quem falava de tais temas, sob pena de ser considerado um estranho alien desorientado neste universo. Em suma, podia falar de tudo e sentir-me bem com isso. Além de que ser compreendido era muito satisfatório...nunca o fora por parte de muitas outras pessoas que partilhavam a minha idade.
Contudo, em apenas alguns dias, a nossa relação pareceu mudar.
Nessa tarde, divertíamo-nos a contar anedotas um ao outro, naquela humidade tranquilizante. E subitamente...
A sua pele exalava um cheiro tão convidativo, suave e apetecível. Tinha uma textura capaz de enlouquecer quem dela se afastasse por muito tempo, e era facilmente comparável a seda.
Ela era extremamente pálida, ainda que as bochechas solarengas mostrassem o quão quente aquele dia estava.
Os seus olhos pareciam cada vez mais intensos e vivos, tantas vezes os fitei nos últimos dias, ainda que o castanho claro que exibiam se mantivesse inalterado (e combinasse deliciosamente com os seus lisos cabelos castanho-mogno).
Ela observou o meu ar distante e disse, com uma nota de leve irritação e, ao mesmo tempo, diversão na voz:
-Não ouviste nada do que eu disse! Em que estás a pensar?
Rapidamente, tentei esconder todos aqueles pensamentos no mais escuro e inatingível baú da minha mente, e retorqui suavemente:
-Em nada...é tão bom estar aqui contigo, sem ter nada marcado para fazer a seguir.
-Oh- começou ela - sim, também gosto de estar contigo. És...diferente, especial - proferiu ela, num cliché que interpretei ingenuamente.
-Ah, sim, sou excelente a deitar-me debaixo de árvores com raparigas bonitas - murmurei, suficientemente alto para que ela ouvisse.
Ambos nos rimos levemente. Subitamente, parei e olhei-a nos olhos. Apenas um pensamento se apoderou de mim.
Ela percebera o que estava prestes a acontecer. Fechou os olhos e inclinou a sua face; hesitei por um momento. Coloquei a minha mão suavemente por trás do seu pescoço. Conseguia sentir a minha respiração descontrolada, ofegante....e aproximava-me cada vez mais.
Por fim, os meus lábios tocaram lentamente aqueles, delicados e finos. Nunca sentira nada assim. Se a perfeição existisse, teria de estar concentrada naquele gesto tão simples e doce. Não queria que acabasse...
Não sei quanto tempo demorou ao certo. Mas subitamente, tudo se desvaneceu.
-Porque fizeste isto? - sibilou Sophie, num tom de voz quase digno de súplica.
Hesitei antes de responder.
-Eu, hmm... - tentei evitar o olhar, focando-me nas belas árvores, onde repousavam alguns melros - pensei que também o quisesses.
-Não! - insistiu, apesar da sua voz ter falhado - Nós, nós...não consigo, somos amigos há demasiado tempo!
-Mas porquê? Pensei que também o tinhas sentido! - afirmei, ansioso.
Num ápice, levantou-se e, com o rosto a transparecer o quão confusa estava, atirou:
-Desculpa...! Tenho de ir. Falamos depois!
-Sophie! Espera! - gritei, na esperança de que ela voltasse atrás.
Desapareceu rapidamente por entre os raios de verão, deixando-me só.
Eu girava num turbilhão de sentimentos: porque havia ela reagido assim? Teria falhado miseravelmente? Ela não gostava de mim? E se, pior, tudo fosse destruído por aquele impulso?
No fundo, se nos devemos deixar guiar pelo que sentimos, porque havia aquele momento fugaz deitado tudo a perder?
Senti-me incapaz de reagir, devido ao novelo de preocupações que se começava a formar dentro de mim.
Deixei-me ficar ali, perdido no meu mundo.
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