Nunca sei como começar. Nenhuma maneira parece suficientemente genuína, verdadeira. Nenhuma nuvem que pretendo escrever fica borratada nos mesmos tons de significação e nenhuma lua consegue permanecer tão orgulhosa na sua solidão como eu a sinto.
As húmidas granadas, enviadas de forma sequencial em viagem descendente, impedem cada fracção de segundo de clareza e de transformação – um verdadeiro desastre, visto que fazê-lo e transportá-lo para este plano real e caótico sempre foi a minha maneira de sobreviver. Basicamente, porque o cheiro nauseabundo, o fumo negro e espesso, as labaredas altíssimas num degradé de cor-de-laranja são as únicas coisas que quero inspirar bem fundo e manter cá dentro, para me mostrarem que continuo vivo. De forma medíocre e consumida, mas vivo. São as únicas que, quando as perco de vista, me fazem estacar num cenário de luzes que se apagam e deixam o espectáculo passivo da tv, onde tudo se passa sem que façamos parte da ficha técnica, num estado de pausa semelhante a um coma da vida.
As utopias do fantástico nunca me chegaram a cumprimentar com grande reverência irónica e as lúdicas ilusões dos verdes anos nunca me possuíram verdadeiramente a alma, agora completamente cicatrizada com pontos dados pelo tempo. 15 pontos na alma, como o nome do filme. Muitas mais são as vezes que me pergunto porque nada me consola como a um bebé envolto no seu berço de carinho e protecção; como a duas pessoas ligadas por uma hera quebradiça e podre, prestes a romper a qualquer momento – mas, ainda assim, capaz de as unir de forma efémera.
As respostas não surgem. A chuva continua a escorregar pelo ar conspurcado, silenciosa – mas capaz de dizer mais do que tudo o que já li e tudo o que já escrevi. Se calhar por existir enquanto chuva e não enquanto objecto preso a dogmas e expectativas infundadas, a devaneios de terceiros.
A chuva não pode ser controlada, mas grato seria por me submeter às suas vontades partindo de um quadro branco, por pintar, o resultado da inércia naturalista e não da reflexão. Oxalá pudesse limitar-me a senti-la, como rainha de agulhas frias, exorcista das peças do puzzle que não encaixam e que teimam em chocar umas com as outras neste tabuleiro de sangue e sentidos.
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