Lembro-me como se fosse hoje. Comparando ao futuro longínquo da velhice caduca, de bengala imponente de madeira e crescente desejo de auto-aniquilação, se calhar foi mesmo hoje.
Tudo começou com um filme que ambos quisemos partilhar. Sabíamos que, no fim, o feitiço seria quebrado e aqueles breves segundos em que nos cruzámos seriam levados pela tempestade caótica que às vezes assola esta terra.
Não fomos forçados pelo ostensivo relógio do portátil, nem tão pouco pelos tiros sangrentos das imagens que dançavam para os nossos olhos. Tudo se desenhou por pura inspiração e capricho divino, em tudo similar à fracção de segundo de génio do artista, quando sabe exactamente que rumo dar à sua obra.
Um sopro que só eles entenderam levou os nossos dedos ingénuos a aproximarem-se lentamente, saboreando o toque efémero de tão pequena porção de alma; a razão congelou por momentos - oh, se assim tivesse ficado para sempre!
Enquanto isso, os nossos corpos descreviam movimentos de medo e de atrevimento, num impasse que não conseguíamos resolver. Fomos marionetas dos sentidos, controlados por cordas de desejo e calor. Os nossos lábios procuraram-se no escuro, sem saberem muito bem porquê. Encaixaram de forma humanamente perfeita e, naquele momento, tudo fez sentido - até a escuridão.
Os disparos sangrentos deixaram de se ouvir. Deram lugar ao ruído maquinal da ilusão e à procura de um novo significado ainda mais profundo, de um ponto de chegada ainda mais longínquo, envolvido pela protecção morna da manta do sofá.
(desta vez, a única relação da música com o texto é a pureza e beleza, para além da forma lenta como vai crescendo...no tempo e em nós)
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